Um levantamento feito pela BBC Brasil com os governos estaduais mostrou que um policial foi assassinado para aproximadamente cada quatro cidadãos mortos pela polícia no Brasil em 2013
Os dados
apontam tanto para uma alta letalidade das ações da polícia como para o grande
nível de risco ao qual os agentes da lei estão expostos no país, segundo
analistas.
No ano
passado, ocorreram ao menos 1.259 homicídios cometidos por policiais e 316
baixas nos quadros das policias civil e militar em 22 Estados que forneceram
dados a pedido da BBC Brasil.
Para Ignacio
Cano, sociólogo e coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro), os altos números tanto de mortes
causadas pela polícia quanto de baixas de agentes são dados que preocupam por
poderem configurar "um presságio" de maiores níveis de violência
geral num futuro imediato.
Ele atenta
para o fato de que os policiais morrem mais quando estão de folga, em situação
mais vulnerável. "Quanto mais mortes
causadas pela polícia, mais policiais vão ser mortos quando estão trabalhando
na segurança privada ou quando são surpreendidos nas áreas onde eles moram.
Isso, por consequência, significa que a polícia vai matar mais depois, entrando
num círculo vicioso. Uma lógica de guerra que nunca desapareceu no Brasil, mas
algo que temos que combater e tentar manter sob controle", avalia.
De acordo com
os dados compilados pela BBC Brasil, a cada mês de 2013 aproximadamente 105
pessoas foram mortas pelos agentes da lei e 26 policiais foram assassinados por
criminosos nesses Estados.
A BBC Brasil
solicitou dados oficiais sobre a violência relacionada a policiais em todos os
Estados brasileiros e no Distrito Federal, mas cinco deles não responderam até
a data de fechamento da reportagem e quatro enviaram dados incompletos.
Átila Roque,
diretor da Anistia Internacional no Brasil, diz que "no Brasil temos uma das polícias que mais matam e mais morrem em todo o
mundo”.
Ele acredita
que, no contexto nacional, o policial civil ou militar é tanto “algoz quanto vítima”, num modelo de
segurança pública que necessita de “urgentes reformas”, incluindo a
desmilitarização das polícias.
Estatísticas escassas
Para Roque, a
dificuldade de obtenção de estatísticas sobre esse tema reflete um certo grau
de complacência do país e da sociedade em relação à violência policial.
"É impressionante. Em um Estado democrático,
em pleno século 21, o (fato de o) país não saber dizer quantas pessoas morrem
na mão da polícia anualmente", disse ele. "São pouquíssimos Estados que têm esses números sistematicamente."
Os Estados que
não responderam ou enviaram dados desatualizados à BBC Brasil foram Amazonas,
Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Roraima.
Samira Bueno,
diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisadora da
FGV, lembra a dificuldade de se obter dados confiáveis também dentro do Brasil.
“Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul têm uma tradição de
monitoramento, então os números são mais fieis à realidade. Agora, em muitos
casos recebemos um dado da PM, outro da Secretaria de Segurança Pública, e
outro do Ministério da Justiça”, explica.
Em 2012, o
Brasil registrou o maior número de homicídios da história: 56.337, segundo
dados coletados pelo SUS - Sistema Único de Saúde (considerados confiáveis
pelos pesquisadores), e a falta de estatísticas com maior exatidão e a ausência
de um controle mais rígido fazem analistas acreditarem que os números de mortos
em confrontos com a polícia possam ser ainda maiores.
Átila Roque,
da Anistia Internacional, diz que uma parcela desconhecida dessas milhares de
mortes se refere aos grupos de extermínio e milícias formados em sua maioria
por ex-policiais e agentes ainda na ativa, e cujos números de assassinatos não
são registrados de forma oficial.
A abordagem
dos temas da violência policial e da violência contra os policiais como parte
da cobertura especial da BBC Brasil sobre as eleições de 2014 foi sugerida em
uma consulta com leitores promovida pelo #salasocial - o projeto da BBC Brasil
que usa as redes sociais como fonte de histórias originais. Você também pode
dar sua opinião sobre o tema na página da BBC Brasil no Facebook.
Reportagem
publicada nesta segunda-feira pela BBC Brasil mostra como o tema tem sido
evitado na campanha pelos principais candidatos à Presidência. Segundo
analistas ouvidos pela BBC Brasil, isso se deve principalmente ao medo de
perder o voto dos eleitores conservadores.
Nas redes
sociais, muitos leitores da BBC Brasil participaram do debate e fizeram
comentários sobre a questão.
Circunstâncias dos crimes
Apenas 14 dos
Estados que responderam ao pedido da BBC Brasil pelos dados de homicídios
envolvendo policiais deram detalhes sobre as circunstâncias das mortes. Assim,
foi possível obter dados específicos sobre as mortes de 695 suspeitos e de 279
policiais.
O levantamento
mostra que 87% dos suspeitos foram mortos por policiais militares em serviço –
ou seja, fardados e agindo em operações oficiais da polícia.
Os outros 13%
dos homicídios foram cometidos por policiais civis e militares de folga e
também durante operações oficiais da Polícia Civil.
Essa proporção
se explica pelo fato de as polícias militares possuírem contingentes muito
maiores que as polícias civis e atuarem no patrulhamento ostensivo das ruas. A
Polícia Civil cumpre majoritariamente o papel de investigação.
Contudo, esses
dados estatísticos não abrangem todas as situações em que policiais participam
de crimes – até mesmo milícias ou esquadrões da morte – fora do serviço. Por
isso, para analistas, o número total de homicídios deve ser maior.
Já a maioria
dos assassinatos de agentes da lei ocorreu entre policiais militares de folga
(57%).
Segundo
Antônio Carlos do Amaral Duca, vice-presidente da Associação de Cabos e
Soldados de São Paulo, o período mais vulnerável para o policial militar é
durante as folgas.
“Os criminosos não costumam reagir contra um
policial fardado porque um ou dois policiais podem (pedir reforço) e se
transformar em cem em questão de minutos. Ou seja, durante o serviço ele conta
com todo um aparato policial”, afirmou.
Contudo,
segundo ele, no período de folga muitos policiais trabalham como seguranças
para a iniciativa privada – o chamado bico – para completar sua renda. Agindo
sozinhos e facilmente reconhecíveis, acabam se tornando alvos relativamente
fáceis para criminosos.
Soluções em debate
Letalidade da
polícia vira bandeira de movimentos sociais em manifestações de rua.
Segundo Duca,
as formas de diminuir esse grau de risco passa pela reformulação de leis e
normas e especialmente pelo aumento de salários – o que em tese reduziria a
necessidade de fazer bicos.
Uma das ações
da classe policial nesse sentido é o suporte à Proposta de Emenda
Constitucional 300, que tramita no Congresso com o objetivo de equiparar os
salários de PMs de todos os Estados aos praticados no Distrito Federal – que
oferece melhores salários.
Já em relação
à letalidade da polícia, o debate ganhou o nome de umas das mais de 1.259
pessoas mortas pela polícia em 2013: Amarildo de Souza.
Devido à ação
de movimentos sociais, o assassinato do pedreiro por policiais na favela da
Rocinha, Rio de Janeiro, virou uma das bandeiras nas manifestações que varreram
o país entre julho de 2013 e julho de 2014.
Amarildo virou
sinônimo de clamor por uma polícia menos letal.
Isso levou a um
debate de formadores de opinião sobre possíveis soluções, como a adoção de uma
polícia de ciclo único (que faz tanto o patrulhamento das ruas como a
investigação dos crimes) e a desmilitarização.
Embora não
discutidos amplamente, pontos como esses já estão sendo apropriados pelos
candidatos às eleições.
Mas, segundo
analistas do setor, para reduzir a letalidade não basta discutir modelos mais
eficientes para a polícia, mas também medidas específicas como o fortalecimento
de órgãos corregedores, o controle mais rigoroso das armas e quantidade de
munições usadas pelos policiais e o uso de câmeras em carros e uniformes.
Fonte: http://www.bbc.com/
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