"Juiz tem que ser isento e ágil"...


Publicação: 09 de Setembro de 2012 às 00:00
Entrevista / Francisco Cândido de Melo Falcão / corregedor nacional de Justiça

O novo corregedor nacional de Justiça, o pernambucano Francisco Cândido de Melo Falcão, assumiu o cargo na semana passada com a disposição de coibir o que chama de decisões judiciais movidas por ideologias. “O que não pode é o juiz, por uma questão ideológica, conceder uma liminar e sentar no processo. É inadmissível, sobretudo nas ações de extrema relevância e alto interesse público”, disse Falcão, em entrevista ao Estado. Ministro do Superior Tribunal de Justiça, o novo corregedor vai ocupar a cadeira no Conselho Nacional de Justiça nos próximos dois anos. Ele sucede a Eliana Calmon, que ficou marcada por denunciar os “bandidos de toga” no País.

Entrevista / Francisco Cândido de Melo Falcão / corregedor nacional de Justiça

Como coibir a ação de magistrados movidos por ideologias?
Juiz não pode ter partido, juiz tem que ser isento. O juiz tem que ser ágil, principalmente nessas questões de grande interesse nacional. Ele tem que saber que não pode paralisar uma obra de grande relevância e importância para o País. Tem que dar o posicionamento dele e encaminhar o processo para o segundo grau. Eliana (Calmon) me disse que muito juízes têm retardado decisões. Vou começar a verificar, em trabalho permanente com a Advocacia-Geral da União e com o Ministério da Justiça, para que repassem os dados dos processos e o tempo que estão levando para ser julgados. Vamos dar celeridade a isso. Vamos adotar o programa Justiça Plena, mutirão nos processos de extrema relevância e alto interesse público e do governo. Por exemplo, quando se trata da construção de uma barragem. Aí vai um juiz lá, por questão ideológica, dá liminar e senta no processo. Veja a Usina Belo Monte. O juiz não pode fazer isso, tem que despachar e, imediatamente, se houver recurso, encaminhar o processo para o segundo grau. Senão torna o País inviável.

Como a corregedoria vai agir nesses casos?
Não vamos interferir na autonomia, de forma nenhuma, na independência e autonomia do juiz. O papel da corregedoria não é pressionar o juiz para ele julgar desta ou daquela forma. O nosso trabalho é celeridade. O juiz tem que julgar. Dá a liminar, mas que leve logo ao mérito, julgue e julgue rápido.

Os juízes estão insatisfeitos porque não recebem reajuste há seis anos.
Acho que os juízes estão ganhando razoavelmente bem. Existe de fato uma defasagem salarial, há seis anos não temos reposição, isso precisa ser corrigido. Mas os juízes não são mal pagos. Estive recentemente na Alemanha e na França. Lá, os juízes ganham muito menos do que a gente ganha aqui. Sabia disso?

O sr. empregou uma irmã em seu gabinete?
Há 15 anos, quando eu estava no Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, não havia nenhuma proibição, eu tinha uma irmã que era minha chefe de gabinete. Isso aí é página virada. O nepotismo deve ser banido. A legislação proíbe. E foi uma coisa boa isso.

Existe um teto constitucional para os vencimentos, mas em muitos Estados juízes ganham bem acima.
Vamos atacar com muita ênfase a questão da uniformização dos vencimentos dos magistrados. Essa é uma bandeira iniciada em 1976, quando meu pai (Djaci Falcão) era presidente do Supremo. Naquela época tentou-se uniformizar, mas nunca se conseguiu. Existe um processo no Supremo, uma ação direta de inconstitucionalidade, com voto vista do ministro Luiz Fux. Ele disse que vai julgar isso logo. Estou só esperando o Supremo julgar. Na hora que o Supremo julgar ninguém ganha mais que o ministro do STF. Quem receber mais vai ter que devolver, Não adianta ficar falando, blá-blá-blá, e o sujeito receber e não devolver.

E os penduricalhos? Os auxílios-moradia, alimentação e outros benefícios que elevam as remunerações?
Tudo isso pode ter, só não pode é passar o teto. Mesmo quando tem benefício. Não temos aqui auxílio-moradia nos tribunais superiores? Está incorporado. Mas tudo isso tem que juntar e ficar no teto. Daí para baixo. Não pode passar, o certo é isso. O teto existe e não está sendo cumprido, é esse o grande problema. Por isso precisamos que o Supremo decida. Eu ainda não posso tomar nenhuma medida, com esse processo pendente. O Supremo está acima do CNJ.

Como o sr. vai suplantar a resistência histórica das entidades de classe?
A ministra Eliana, nessa rigidez dela, já quebrou em 80% a resistência. Eu acho que vou pegar o terreno aplainado, falta pouca coisa. O trabalho dela foi extraordinário.

O sr. vai admitir que as corregedorias dos tribunais estaduais investiguem primeiro?
As denúncias que chegarem à Corregedoria Nacional de Justiça vão ser apreciadas. Eu não vou dizer: encaminhe-se ao tribunal de origem. O que estiver em curso nos tribunais vou dar um prazo para eles (corregedores estaduais). Vou fazer um levantamento, até porque cabe recurso obrigatório. O que vier para cá vai ser apurado aqui. Eu não vou mandar para o tribunal. Não existe isso. Eu nunca disse que a Corregedoria Nacional só vai atuar depois que as corregedorias locais atuarem. A Corregedoria vai atuar com independência.

As corregedorias estaduais funcionam?
Em alguns Estados funcionam. Em outros, não. Onde funcionar vamos apoiar, aplaudir e divulgar. Mas nas corregedorias em que identificarmos corporativismo vamos entrar em cima do corregedor. Vamos prestigiar os bons corregedores e vamos agir com mão de ferro em cima dos maus corregedores. Inclusive abrindo processo contra o corregedor. Errou, vai responder.

Como reduzir o tráfico de influência nos tribunais?
Não podemos admitir o tráfico de influência, que a gente sabe que existe em muitos tribunais estaduais. Vamos combater com muito rigor.

Há quem aposte que o sr. vai ser condescendente.
O tempo vai dizer. Até porque eu acho que nesse cargo não tem espaço para você ser bonzinho, senão você será responsabilizado. Não vou é julgar ninguém sem dar o direito de defesa. Não vou dar entrevista falando mal de quem está sob investigação.


‘Falta apoio dos tribunais’, diz Calmon

Antes de deixar o cargo de corregedora nacional de Justiça, a ministra Eliana Calmon, afirmou que é “sabida” e “velha” e que já esperava a decisão tomada na véspera pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de adiar o julgamento de um pedido para apurar a suposta omissão do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Luiz Zveiter em conceder escolta à juíza Patrícia Acioli, assassinada no ano passado.

“Eu tenho 34 anos de magistratura e eu sou sabida. Sou sabida porque sou velha, não porque nasci sabida”, disse Eliana Calmon, que tem 67 anos e está deixando nesta quarta o cargo de corregedora e será substituída por Francisco Falcão. “Eu sei o que é um processo contra uma pessoa que tem importância social. O Brasil ainda é um País em que a importância social, a importância econômica, as elites políticas e as elites econômicas ainda têm um grande peso”, disse a ministra durante entrevista coletiva à imprensa.

Valter Campanato/ABrMinistro do STJ, Eliana Calmon encerrou o mandato de corregedora nacional de JustiçaMinistro do STJ, Eliana Calmon encerrou o mandato de corregedora nacional de Justiça
Na véspera, a corregedora havia proposto ao CNJ que julgasse um pedido de providências feito pela família de Patrícia Acioli com o objetivo de apurar a suposta omissão de Zveiter no caso. No entanto, a decisão foi adiada a pedido do advogado do desembargador, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.

Segundo a ministra, a segurança fornecida pelos tribunais brasileiros aos juízes é deficiente, diferentemente do que ocorre com desembargadores. “Eu acho que é muita segurança para os desembargadores. E os juízes ficam à deriva”, comentou.

Ela contou ter descoberto que em alguns tribunais policiais militares tinham sido desviados da função de segurança para “dirigir carro para desembargador e até para familiares”. Conforme ela, existiam relatos de policiais que faziam segurança de filhos de desembargadores que iam a jogos de futebol e shows. Para Eliana Calmon, o mais importante para garantir a segurança dos juízes é o serviço de inteligência. “Todos os atentados que aconteceram com magistrados, o serviço de inteligência acusou. (No caso da) A Patrícia Acioli, desde 2009 a inteligência da Polícia Federal já avisava que ela estava jurada de morte, que ia ser morta pelas milícias. Não acreditaram”, disse.

A corregedora afirmou que a falta de apoio do tribunal é muito significativa para o crime organizado. “O crime organizado não vai contra o juiz que tem o apoio total da cúpula do Poder Judiciário”, disse.

Eliana Calmon também comentou o que ela chamou de “avalanche” de pedidos de vista feitos ontem por conselheiros do CNJ em processos nos quais ela propunha investigações contra magistrados suspeitos de movimentar quantias muito superiores aos rendimentos.

“Eu não digo que foi frustrante porque foi uma tentativa que eu fiz. Eu não tinha dúvida de que no Brasil mexer com patrimônio ainda é muito sério”, afirmou. “Como o País ainda é muito ligado ao patrimonialismo, quando a gente mexe nisso, a gente parece que desestabiliza um pouco o bom senso e o bom humor das pessoas. As pessoas ficam impactadas”, concluiu.

A ministra Eliana Calmon, cujo mandato no CNJ termina nesta quinta-feira, 6, assumiu o cargo de corregedora nacional em setembro de 2010. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Francisco Falcão a substituirá no comando do CNJ, ocupando o cargo pelos próximos dois anos.
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